quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Um jornal, qualquer jornal, por pasquim que seja, exige um edital.
Nele se define a orientação, as normas deontológicas, no fundo a filosofia de vida do jornal.
Aqui apresentamos um edital. Não um qualquer. Um edital de um Poeta que adoptou a Guarda (ou terá sido ao contrário?...).
Depois do edital, esperamos as notícias, os textos, os poemas, as adivinhas... O que a imaginação ditar...
O jornal, sem título ainda, é vosso, é nosso é de todos...
Lusitana Ricardo
Norberto Gonçalves

EDITAL

Manuel era um petiz de palmo e meio
(ou pouco mais teria na verdade)
De rosto moreninho e olhar cheio
De inteligente e enérgica bondade.

Orgulhava-se dele o professor…
No porte e no saber era o primeiro.
Lia nos livros que nem o doutor,
Fazia contas que nem um banqueiro…

Ora uma vez ia o Manuel passando
Junto ao adro da igreja. Aproximou-se
E viu à porta principal um bando
De homens a olhar o quer que fosse.

Empurravam-se todos em tropel
Ansiosos por saberem, cada qual
O que vinha a dizer certo papel
Pregado com obreias na porta…

Mais contribuições! Supunha um,
É p’rás sortes, talvez… outro volvia.
Quantas suposições! Porém nenhum
Sabia ao certo o que o papel dizia.

Nenhum (e eram vinte os assistentes)
Sabia ler aqueles riscos pretos.
Vinte homens e talvez inteligentes
Mas todos, que tristeza – analfabetos!...

Furou Manuel por entre aquela gente
Ansiosa, comprimida, amalgamada,
Como uma formiguinha diligente
Por um maciço de erva emaranhada.

Furou e conseguiu chegar adiante
Ergueu-se nos pezitos para ver,
Mas o edital estava tão distante,
Lá tanto em cima, que o não pôde ler.

Um dos do bando agarrou-o então
E levantou-o com as mãos possantes
E calejadas de cavarem pão…
Houve um silêncio entre os circunstantes.

E numa clara voz melodiosa
A alegre e insinuante criancinha
Pôs-se a dizer àquela gente ansiosa,
Correntemente o que o edital continha.


Regressava o abade do passal
A caminho da sua moradia.
Como era já idoso e via mal,
Acercou-se para ver o que haveria…

E deparou com esse quadro lindo
Duma criança a ler a homens feitos,
Dum pequenino cérebro espargindo
Luz naqueles cérebros imperfeitos…

Transpareceu no rosto ao bom abade
Um doce e espiritual contentamento
E a sua boca, fonte de verdade,
Disse estas frases com um brando acento:

Olhai, amigos, quanto pode o ensino…
Alguns de vós são pais, outros avós,
Pois só por saber ler este menino
É já maior que nenhum de vós!

Augusto Gil